Alguns dias atrás a influenciadora de moda do Instagram e do TikTok, Ana Shumiski, fez um vídeo com uma reflexão importante: por que países que sofreram – ou sofrem – repressão política intensa tem uma diferença estética até nos dias atuais?

Um exemplo disso, é a Polônia, que sofreu muita repressão política, e consequentemente estética, durante o regime soviético. Com isso, a identidade de moda do país é muito mais voltada para o punk, que representa uma certa rebeldia e afirmação contra restrição ideológica daquele povo.

Mas e o Brasil? Sendo uma nação que sofreu com uma intensa ditadura militar durante mais de 20 anos de sua existência, a moda também tem uma história a se contar. E essa história, definitivamente, se baseia na resistência contra a opressão.

Com o golpe militar em abril de 1969, o Brasil sofreu profundas transformações em todas as áreas da sociedade, como política, economia e cultura. E, nesse contexto, o movimento de contracultura Tropicalismo começou a florescer como forma de se opor as violências do Estado. Mas o que é isso?

O termo “contracultura” surgiu nos 60 nos Estados Unidos como forma de explicar o movimento hippie, modo de vida que se opunha ao sistema capitalista e a guerra do Vietnam, levando os jovens a adotarem um comportamento pacifista e caráter estético próprio

Foi através da importação desse movimento que nasceu o Tropicalismo no Brasil, no final de 1967, com figuras icônicas como representantes: Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, por exemplo. Suas características se baseavam em maximalismo, texturas, cores vibrantes e faziam referência aos códigos de vestimenta indígenas e de povos tradicionais no geral.

Caetano e Gil, representantes do Tropicalismo (Foto: Reprodução/Bossa Nova Films)

Tudo isso clamava por um só pedido: a volta da felicidade, da liberdade e da abundância como forma de subversão aos horrores dos ditadores que matavam, torturavam e sequestravam quem fosse minimante crítico a seus ideais. As roupas fizeram parte desse grito, comunicando que o povo brasileiro, queria – e iria – ser livre outra vez.

Foi a partir dessa necessidade, que a moda brasileira de resistência começou a ser reconhecida internacionalmente com a estilista Zuzu Angel. Depois de ter seu filho, Stuart Angel, sequestrado e torturado pelos militares em 1971, Zuzu começou uma extensa luta pela recuperação do corpo e por justiça pelo assassinato. E fez tudo isso através da moda.

A estilista Zuzu Angel (Foto: Reprodução/Instituto Zuzu Angel)

Em setembro de 71, na tentativa de chamar atenção de outros países para o desaparecimento de seu filho, a designer apresentou uma coleção que criticava claramente o regime militar, bordando em peças de linho objetos que remetiam à repressão: como tanques, soldados e lança bombas.

No final, Zuzu apareceu toda de preto, com um colar de anjos com asas partidas e um cinto cheio de crucifixos, fazendo referência aos inúmeros mortos, desparecidos e torturados da época. Isso deixou os generais furiosos, já que o desfile protesto trouxe muita luz à situação do Brasil.

Zuzu em 1971. de luto por seu filho (Foto: Reprodução/Memórias da Ditadura)

Por isso, em 1976, Zuzu morreu em um suposto acidente de carro. Mas, anos depois, foi provado que na verdade ela foi assassinada como forma de punição por suas denuncias contra a barbárie que vinha ocorrendo no país.

Isso deixa a seguinte reflexão: todos os países usam a cultura, e consequentemente a moda, como forma de se opor à opressão política. Mas, os países cuja identidade foi construída em cima de repressão, têm uma vivência própria que carrega com si a identidade estética da revolução em seu âmago.

Como o Brasil poderia passar por todo esse horror sem a arte? Arte é comunicação, resistência e muitas vezes, desconforto. Afinal, se poderia ter uma identidade diferente, se desde a colonização, é preciso lutar para um futuro melhor?

Então, respondendo à pergunta: os países que historicamente sofreram repressão política são esteticamente diferentes porque as roupas não estão associadas só a conforto e estilo, mas estão no DNA de quem precisa desde sempre, lutar para sobreviver.

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