Desde a antiguidade sociedades primitivas utilizavam da maquiagem com cunho cultural e religioso, realizando pinturas faciais com pigmentos extraídos de plantas durante seus rituais. Para esses povos, a maquiagem era detentora de propriedades mágicas e protetoras. Mas se a arte de maquiar existe antes do surgimento de algumas religiões predominantes na sociedade, por que seu uso é condenado pelas mesmas?

(Foto: exposição virtual Funeral Barroco)

Um grande exemplo do uso ritualístico da maquiagem é o povo Bororo, presente em Mato-Grosso a centenas de anos, donos de uma estética única e exuberante. 

É somente no Egito Antigo que a maquiagem passa a ser vista como um meio de embelezamento, além de religioso. Essa era foi marcada pelas famosas pinturas com henna para destacar os olhos, o que veio a se tornar o nosso delineado gatinho, também notamos nessas maquiagens a predominância do dourado e sombras azuis. A cultura egípcia valorizou muito a beleza, chegando a criar a prática de maquiar os Faraós após sua morte, pois o povo acreditava na ressurreição e que o líder deveria estar com uma boa aparência durante esse momento. Mas do que eram feitos os primeiros produtos de maquiagem? De acordo com registros históricos e o estudo realizado pelo químico Christian Amatore a maquiagem tinha como base quatro produtos oriundos do chumbo: galena, cerusita, laurionita e fosgenita, que juntos criavam as cores dos produtos.

Já na idade média, com predomínio de religiões monoteístas, a maquiagem passou a ser condenada pelas igrejas e vista como uma prática pecaminosa, o que nos leva a pensar: em uma época onde a pele mais clara era relacionada a beleza e pureza enquanto a pele mais escura ao trabalho e escassez, não seria óbvio o surgimento de uma busca pela adequação aos padrões? Mesmo que contrária aos conselhos religiosos de incentivo a “valorização da beleza natural” essa busca aconteceu – e ainda acontece – dando início ao uso de produtos a base de chumbo para clareamento da pele.

Chegando na Renascença, a maquiagem passa a ser vista oficialmente como arte e a igreja chega a aceitar pinturas simples, voltando a ser feitas com ingredientes naturais como clara de ovo, madrepérolas em pó e pigmentos vegetais. Mesmo com produtos a base de elementos naturais, essa fase ficou marcada na história da maquiagem com a tendência da Cerusa Veneziana, utilizado para deixar a pele com tom uniforme, mas mantendo o aspecto natural. Podemos dizer que essa criação foi uma espécie de “BB cream tóxico”. O alvaiade – como é conhecido atualmente – não só carbonato de chumbo como fragmentos de metais em sua composição, o que a longo prazo levava seus consumidores a desenvolverem a perda de cabelos, dentes, e sobrancelhas. Entre as consequências do uso também estão corrosão e cicatrizes na pele, e a longo prazo declínio cognitivo precoce. Apesar de possuir uma formulação tão degradante à saúde humana, o alvaiade fora bastante comercializado como a base “Espíritos de Saturno”.

De acordo com o Guinnes World Records a Rainha Elizabeth está entre as celebridades que aderiram a tendência Cerusa Veneziana.

(Foto: Rainha Elizabeth por George Gower, 1588)

Décadas se passaram e após a era de ouro de Hollywood (com suas peles perfeitas e batons vermelhos), o impacto de Andy Warhol – criador do movimento art pop – e as tendências criadas em mídias sociais, ainda notamos a presença de estigmas religiosos sobre a arte de maquiar. Para muitos povos, ainda é utilizada com grande relevância cultural e religiosa, para outros como embelezamento e para alguns grupos sociais, vista como exagero desnecessário. Estando esses ideais presentes na nossa história, não podemos negar a importância e impacto social da maquiagem, que continua e sempre continuará representando movimentos, momentos históricos e a beleza. Maquiar é, sim, embelezar, mas não apenas isso, maquiar também é comunicar, fazer arte, simbolizar culturas, é representar e até mesmo empoderar pessoas.

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