Fortes referências à cultura brasileira, um manifesto de leveza e poesia visual.

A SPFW N60, que celebrou os 30 anos do principal evento de moda da América Latina, teve em Rafael Caetano um dos seus momentos de maior profundidade conceitual. Com a coleção “Fullgás”, o estilista transforma a passarela em um diálogo entre o sublime e o cotidiano, traduzindo a poesia e a música de Antonio Cicero e Marina Lima em uma linguagem de conforto e fluidez.

Caetano apresenta uma moda que não apenas veste, mas que se move e respira. A premissa central da coleção é o movimento das roupas no corpo e torna-se o statement de estilo, provando que a liberdade de forma é o novo luxo.

O verso vestido

A escolha do título “Fullgás” é um gesto de continuidade e reverência. Caetano, que já havia homenageado a dupla em coleções anteriores, consolida sua trajetória como um designer que faz da pesquisa e da crítica social a base de sua criação. Seus estudos de gênero (que finaliza em Madrid) e a atitude intelectual do seu trabalho se refletem na forma como aborda a moda.

A parceria com a Estante Virtual não é meramente um patrocínio, mas um posicionamento: é a literatura e a cultura sendo levadas ao palco da moda, reforçando o desejo de Caetano de quebrar a distinção entre o popular e o erudito — conceito central na obra de Cicero. A coleção é, portanto, uma tapeçaria cultural que se nutre da exposição “Fullgás – Artes Visuais e Anos 1980 no Brasil” para fechar o ciclo de referências.

A alfaiataria que dança

O núcleo da coleção reside na desconstrução e reengenharia da alfaiataria e camisaria, marcas registradas do estilista. Nas peças apresentadas, o conforto não é um acidente, mas um projeto meticuloso:

Rafael se apropria da vibe de bem-estar ao incluir peças com desenho de pijamas e jaquetas quimono em conjuntos de camisa e calça. Essa referência injeta uma leveza e adaptabilidade, transformando o look de lounge em uma vestimenta sofisticada para as ruas.

O grande trunfo técnico são os plissados e pregueados manuais, que se diluem nas mangas e, de forma surpreendente, nas pernas de algumas calças. Esses elementos não são apenas decorativos; eles funcionam como mecanismos de movimento, conferindo uma leveza e uma fluidez que fazem o tecido “respirar” e se mover elegantemente com o corpo.

A alfaiataria é subvertida quando Caetano muda pregas e lapelas de lugar, como no detalhe de uma lapela que se estende. Essa desestruturação estratégica retira a rigidez do traje formal, garantindo que mesmo os blazers mais definidos se mantenham soltos e flexíveis.

A paleta se expande com cores exclusivas desenvolvidas pela Kalimo, reforçando a natureza artística e sensorial da coleção. Tons como tabasco, capadecia, preto cioccolato e lapis lazuli (visto em looks de grande fluidez) adicionam profundidade e um toque vintage que remete aos anos 80.

Os calçados contam com a tradicional parceria da Botineiros, enquanto o destaque sustentável vai para as joias exclusivas da Olindo. A marca do jovem designer Leandro Buarque utiliza metal de reúso e materiais como o látex em peças vanguardistas. Para arrematar, a coleção inclui o design exclusivo de relógios licenciados com a Caule.

A coleção celebra a cultura ao integrar o projeto “Pernambuco Artesão”, unindo o high fashion ao rico fazer manual brasileiro. Essa parceria trouxe para a passarela as bolsas de madeira da Loka Arte Design, o macramê de Anunni Artesanato e o crochê da Crocheteira de Garanhuns. A união de economia criativa e o saber popular.

Com o styling assinado por Bruno Uchôa e a beleza por Gustavo Voltolini, a coleção “Fullgás” de Rafael Caetano é uma lição de que o conforto é a verdadeira fundação de um estilo duradouro e com significado, provando que a moda brasileira move-se em um ritmo que é simultaneamente intelectual e humano para os corpos existentes.

Veja o desfile na íntegra :

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