Em uma era que a leitura se faz cada vez mais presente, a necessidade de se conectar com algo que proporcione uma sensação de fuga tornou-se essencial para o mundo pós pandêmico. Com a influência das redes sociais, a ânsia de ler histórias que beiram o abismo da utopia se faz constante, principalmente para aqueles que buscam se aventurar em grandes narrativas heróicas ou até mesmo só para sentir um pouco do que todos buscam em um amor romântico.
Muitos autores se fazem presentes através dessa ideia, da fuga da realidade e da idealização de uma vida que talvez nunca se torne palpável e a Ali Hazelwood consegue fazer isso com maestria ao criar heroínas na STEM – acrônimo em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática -, com sérios problemas sociais e financeiros, mas que no final se aventuram no amor através da ciência.
Nascida na Itália, Ali Hazelwood morou na Alemanha e no Japão antes de se mudar para os Estados Unidos e acabou tornando-se um dos nomes mais vendidos na literatura de ficção romântica, pois conseguiu fazer o que muitos não acreditavam ser possível em uma carreira acadêmica: conciliar o prazer da escrita com uma carreira científica e fazer isso de forma magistral. O nome utilizado em suas publicações é, na verdade, um pseudônimo. A neurocientista cognitiva já assinou diversos artigos científicos e recentemente passou a atuar também como professora.

A escolha de usar um pseudônimo foi uma tentativa de “esconder” e talvez “proteger” seus artigos científicos. Ainda assim, a autora best-seller nunca escondeu seu rosto e seus ideais. Sempre expôs sua opinião sobre o machismo no mundo acadêmico, criticou os baixos salários da área científica -sobretudo para pós-graduandos, mestrandos e doutorandos – e sobre como ela prefere o Gale ao Peeta em Jogos Vorazes (inclusive, ela foi cancelada por isso e desativou as redes sociais). Mas, continua sendo pauta na bolha do “Booktok”, especialmente porque seu último lançamento “Amor problemático de verão”, é um dos livros mais vendidos no Brasil até 04/07, segundo a Revista Veja.
Talvez seja um pouco peculiar uma mulher com Ph.D em neurociência adentrar na literatura romântica e se tornar best-seller já em seu primeiro lançamento com “A hipótese do amor”. No entanto, Hazelwood conseguiu esse feito através do que muitos não consideram “literatura de verdade”, a Fanfiction ou como todos os meros mortais reconhecem como a boa e velha fanfic.
Esse gênero é um tipo de ficção escrita por fãs baseada em obras existentes, como livros, filmes, séries, jogos etc. Da mesma forma que o protagonista do polêmico livro “After” da Anna Todd foi inspirado no Harry Styles da One Direction. Ali, por sua vez, se inspira em ficção científica e exemplifica, em uma de suas entrevistas, como isso teve início.
“Quando estava no meu último ano do doutoramento, atravessei sérias dificuldades de saúde mental. Nessa altura, os clubes de fãs (em particular os de Star Trek, apesar de eu ter me interessado mais por Star Wars) me salvaram. Eles me deram algo em que focar, além da Academia de Neurociências, e relembraram de que sou mais do que a soma das minhas publicações, sucessos e derrotas acadêmicas. Quanto mais lia fan fiction, mais tinha vontade de participar. Foi assim que comecei a escrever.” Explica Hazelwood.
Aliás, seu primeiro lançamento “A hipótese do amor” era uma fanfic baseada nos personagens de Star Wars, o Kylo Ren e Rey, só que em um contexto acadêmico, cenário em que ela já era familiarizada. Na trama, Olive Smith, uma estudante de doutorado em biologia não acredita em amor, e sim em evidências científicas. Para convencer sua melhor amiga, Anh, de que está feliz com sua vida amorosa, Olive simula um namoro com o professor Adam Carlsen, um homem temido por todos na universidade.
As características de seus personagens são quase idênticas a de Star Wars, mas com uma pitada de baixa auto-estima – tanto emocional como intelectual-, além do clássico: um homem de 1,93, de cabelo preto, disposto a carregar todos os seus fardos, que quer encher sua geladeira e ainda afirma constantemente que você é a único ponto fixo em sua mente genial. O homem perfeito de fato existe e ele se chama “Book Boyfriend”.
Ele é um físico experimental que quer te colocar no plano de saúde dele; ele é um lobisomem, piloto e arquiteto que entraria em guerra por você; ele diz que mesmo que você não o ame, ele te ama por dois; ele é um nadador olímpico sueco que ajuda a protagonista a superar obstáculos e ao mesmo tempo realiza seus desejos mais carnais.
E não para pôr aí, Ali Hazelwood criou a receita perfeita para o homem ideal. Mas mais do que isso, ela também cria e idealiza mulheres reais, que enfrentam dificuldades, que não sabem dizer “não”, que não acreditam no amor, que não sentem desejos sexuais e, quando sentem se sentem julgadas por isso; mulheres que se inspiram em outras mulheres e, principalmente, que precisam se afirmar constantemente para pertencer ao universo científico ditado historicamente pelos homens.
Hazelwood se tornou uma potência, não apenas pelo seu QI de altíssimo nível e seu cérebro gigante que consegue canalizar e transformar histórias de amor em necessidade no aspecto romântico. O que a destaca é sua sensibilidade em abordar questões que só quem viveu o mundo acadêmico de forma tão crua consegue colocar em 350 páginas e ainda ditar um final feliz digno do que uma heroína deseja e nunca achou que conseguiria. O homem perfeito, do tamanho de uma geladeira Electrolux, pode até ser uma utopia, mas a necessidade de ler histórias que idealizem aquilo que possivelmente nunca seria palpável, é essencial para sobreviver em um mundo que a fantasia é inalcançável.

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