Ingrid Ludimilla, de 28 anos, transforma peças de segunda mão em arte vestível e desafia o consumo tradicional.

Longe do burburinho dos grandes centros da moda, como Rio e São Paulo, Cuiabá desponta como um polo inesperado de criatividade e inovação. Em um estado predominantemente conhecido pela pujança do agronegócio, surge a indagação: haveria aqui um solo fértil para germinar novas propostas de criar e empreender na moda?

A resposta começa a se desenhar em iniciativas locais que ganham força. Eventos como o Cuiabá Fashion Week e o Campo Verde Fashion Week, que inclusive conecta a cadeia produtiva do algodão mato-grossense à moda, somam-se à consolidação de feiras como a FEMODA-MT, a maior do Centro-Oeste no segmento.

Paralelamente, o notável “boom dos brechós” impulsiona a moda circular na região. A busca pela valorização da moda indígena e quilombola, que resgata e celebra técnicas ancestrais e a identidade cultural dos povos originários e comunidades tradicionais do estado.

(Fonte: Bia Trindrade )

É nesse cenário efervescente que se desenha a história de Ingrid Ludimilla. Aos 28 anos, Ingrid, com uma formação inicial em Ciência e Tecnologia dos Alimentos, migrou sua paixão para o Design de Moda, e agora cultiva o sonho de ver nascer sua própria marca.

Ao trilhar esse caminho, Ingrid não só desafia os padrões estabelecidos, mas também expande sua atuação para além do trabalho como assistente de figurino em filmes, no ateliê mais conceituado da capital mato-grossense, o da figurinista Jane Klitzke.

Ingrid com a figurinista Jane Klitzke (Fonte: divulgação/arquivo pessoal )

Seu foco é mergulhar no universo do upcycling e da customização, buscando ressignificar peças de segunda mão. Esse movimento se alinha perfeitamente com um cenário em ascensão: o mercado de roupas usadas no Brasil está em plena expansão.

As projeções do Boston Consulting Group (BCG), em um estudo sobre Moda Sustentável, revelam essa grande ascensão, estimando um crescimento de 15% a 20% até 2030, a ponto de potencialmente ultrapassar o fast fashion. O objetivo de Ingrid é claro: imprimir nas peças uma estética autoral que transborda arte, consciência e um discurso crítico sobre o consumo, transformando o ato de vestir em uma poderosa forma de expressão.

A jornada de Ingrid não é linear; é um processo de constante reinvenção. Embora a marca Vista Indi já exista, como Microempreendedora Individual (MEI), ela ainda não opera com uma loja física ou uma cartela de clientes em lista de espera. Ingrid está focada em se especializar e definir qual será o modelo de negócio mais adequado para expandir sua atuação.

“Ainda estou entendendo a melhor forma para fazer, se por meio de estoque ou só por encomendas mesmo”, revela Ingrid, demonstrando a cautela e a profundidade com que planeja cada passo.

Esse ritmo deliberado reflete a complexidade de construir uma marca com propósito em um mercado que, embora em expansão, ainda se apega a paradigmas tradicionais. Sua experiência como assistente de figurino e personal shopper também serve como um laboratório prático para aprimorar seu olhar e técnicas.

Ela também expande sua visão criativa como assistente de figurino em produções cinematográficas de destaque. Ingrid atuou no longa-metragem “Somos Tereza”, de Danielle Bertolini, e em “5 Tipos de Medo”, do cineasta Bruno Bini. Mais recentemente, contribuiu para o filme “Religare”, de Marithe Azevedo. Essa imersão no universo do cinema, especialmente nos bastidores do ateliê de Jane Klitzke, renomada figurinista da capital, confere a Ingrid um olhar ainda mais apurado para a construção de narrativas visuais.

Empreender é o próximo passo

Empreender com uma moda autoral e sustentável em um estado como Mato Grosso, cuja economia é fortemente atrelada ao agronegócio e a um consumo mais convencional, exige uma dose extra de resiliência. Ingrid não se furta a descrever os desafios: “Tem sido um grande desafio, principalmente por eu trabalhar com peças de segunda mão, uma estética mais artística e um discurso crítico. Às vezes, as pessoas não entendem a proposta e exigem algo tradicional ou que atinja a expectativa moldada que elas têm.”

(Fonte: Bia Trindrade )

O mercado local demanda persistência para abrir espaço para uma moda mais consciente. Contudo, é nessa resistência que ela enxerga a verdadeira força do seu trabalho: a chance de provocar novos olhares e incitar mudanças genuínas na relação com o consumo.

Apesar dos obstáculos, o horizonte de Ingrid é marcado pela visão de um projeto sólido e reconhecido. Seus próximos passos incluem a elaboração de propostas para editais governamentais, como o recente de economia criativa, em busca de investimento que permita estruturar e expandir seu ateliê. “É uma forma de aplicar em editais do governo e buscar investimento. Organizar ideias e propostas de maneira estruturada, que mostrem o valor do que eu faço para tentar captar recursos que ajudem a expandir meu trabalho”, explica, evidenciando uma maturidade empreendedora que vai além do corte e costura.

A paixão de Ingrid Ludimilla pela moda sustentável e pelo artesanato se manifesta não só nas peças que cria, mas na convicção de que o vestir pode ser um ato de posicionamento. Em um estado vasto e com uma riqueza cultural ímpar, ela tece narrativas visuais que celebram a individualidade e questionam o consumo desenfreado, propondo um olhar mais atento para o que já existe.

(Fonte: Bia Trindrade )

Sua marca, Vista Indi (@vista.indi), é mais que vestuário; é um manifesto em tecido, um convite à reflexão e um farol para o futuro da moda em Mato Grosso, mostrando que a criatividade floresce em qualquer solo.

Ingrid não apenas sonha em ter sua marca própria; ela a constrói com um propósito que transcende o lucro, almejando deixar um legado de inovação e consciência. Seu trabalho é um testemunho da força de uma geração que ousa redefinir o luxo, valorizando a história de cada peça e a originalidade de cada intervenção.

Em cada ponto, em cada costura, Ingrid Ludimilla tece não só moda, mas um convite à reflexão, um sopro de esperança e a certeza de que a beleza pode, sim, andar de mãos dadas com o respeito ao planeta e às histórias que nos cercam.

Uma resposta para “O sonho da marca própria: upcycling e customização de uma jovem que quer empreender na moda em Mato Grosso”.

  1. eu amo o trabalho da Indi, uma designer de moda artistica incrivel, com um olhar bastante apurado.

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