Milton Nascimento esteve presente no Grammy esse ano, mas não estava sentado entre as estrelas, mesmo concorrendo a melhor álbum de Jazz com sua colaboração com a artista Esperanza Spalding. A gente devia começar reivindicando por ele, não que ele precisasse desesperadamente da premiação, ele até já ganhou como melhor álbum global em 1998. Mas… enfim, não dá para deixar passar essa presepada de deixar ele de fora da sala, a dupla dele estava lá sentada, segurando uma placa com o rosto dele… Situação tensa, chata, complexa… A academia ainda não se pronunciou sobre.
Até não muito tempo atrás, quem passava por maus bocados na indústria musical ficava quieto por um tempo e depois escrevia uma música, desabafando e expondo absurdos, fazia alguma denúncia, processava alguma gravadora, essas coisas…

Mas, refletindo um movimento comum entre os meros mortais, alguns nomes em ascensão na indústria musical norte-americana, estão também fazendo suas denúncias e demandando por melhores condições de trabalho. A música sempre foi um lugar de denúncia, diversos assuntos alarmantes são socialmente abordados em inúmeros álbuns, questões como o racismo, assédio de diversas naturezas, traições, de tudo um pouco. Mas um novo movimento chamou a atenção na 67ª edição do Grammy Awards no início de fevereiro:
A denúncia mais “escrachada” de todas foi de Chappell Roan, a cantora de 26 anos indicada a 6 prêmios e vencedora na categoria de artista revelação. Ela subiu ao palco para receber o prêmio com um caderno onde seu agradecimento, meio desabafo, meio reivindicação, estava escrito. E enquanto ela mascava chiclete, leu seu discurso de agradecimento revelando que havia prometido que se ganhasse, subiria ao palco para contar sua história e pedir, em frente aos maiores nomes da indústria, que as gravadoras olhem para os artistas com mais cuidado e os tratem como colaboradores valiosos, em especial, artistas se desenvolvendo e tentando crescer na indústria.
Ela contou que, após ter sido dispensada pela gravadora com quem assinou bastante jovem, ela teve extrema dificuldade para encontrar trabalho, especialmente por não ter nenhuma outra experiência de trabalho além daquela. Esse período coincidiu com a pandemia e a artista que hoje chegou até a mais prestigiada premiação musical que existe, se viu sem oportunidades e sem respaldo, lembrando que os Estados Unidos não contam com uma unidade pública de saúde e esse foi um ponto destacado por ela em seu discurso, prover segurança de saúde para os artistas que dão tudo de si para suas gravadoras.
Outra estrela da noite, Doechii, vencedora na categoria “Melhor Álbum de Rap”, já havia questionado em sua música “Boiled Peanuts” (em tradução livre):
Por que as pessoas da gravadora não me deixam em paz? Não me deixam respirar?
Em seu maior hit até o momento, a música “Denial Is a River”, ela já havia dito que precisa de uma limpeza, de um detox, mas que não há tempo porque as paradas musicais precisam deles (os artistas).
Sempre fico imaginando como os artistas mais “calejados” se sentem ao ver esse tipo de comportamento meio rebelde, principalmente os que passaram de artistas para produtores. Será que eles acham todo mundo juvenil demais? Será que faz alguma diferença? É muito louco pensar que existe esse período na vida de um artista musical em que, mesmo estando na maior cidade para produção musical no mundo e tendo assinado com uma gravadora, ele passa por maus bocados… Às vezes parece que todo mundo já nasceu famoso, mas, na verdade, eles também são empregados de uma empresa. E a pressão das gravadoras sempre esteve presente, quando a gente para pensar, sempre lembra de alguém que já cantou sobre esse comportamento ou que teve até que largar mão da carreira, porque simplesmente não dava para suportar.

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