
É com muito pesar que venho dizer que li este livro com expectativas altas demais para o que ele foi capaz de me entregar. Que, pela forma como a ideia e o início da história me cativaram, imaginei que seria mais bem desenvolvido em certas partes – inclusive o final. Porém, um pensamento incômodo e, infelizmente, nada novo fez dessa leitura uma pulga atrás da minha orelha por semanas.
Vox, de Christina Dalcher, é um romance distópico que nos transporta para uma sociedade onde as mulheres foram silenciadas – literalmente. A narrativa acompanha Jean McClellan, uma renomada neurocientista que, como todas as mulheres nos Estados Unidos, é obrigada a usar um contador de palavras no pulso e observar calada este regime ganhar ainda mais poder à sua volta. Esse dispositivo limita sua fala a apenas 100 palavras por dia, e qualquer transgressão resulta em punição física – como se as mulheres fossem um gato malcriado que precisasse de uma borrifada de água para se comportar. Assim, com essa forte premissa, a autora explora temas como controle social, intolerância, preconceito, opressão de gênero e a fragilidade dos direitos já conquistados.
E, justamente por isso, acabei me afundando em noites mal dormidas, onde ficava horas pensando em como tudo isso se encaixa perfeitamente com o nosso cenário mundial atual.
“– Daqui a alguns anos vai ser um mundo diferente se a gente não fizer alguma coisa. Expansão do cinturão da bíblia, uma representação de bosta no Congresso e um bando de garotinhos famintos por poder que estão cansados de ouvir dizer que precisam ser mais sensíveis. (…) E não pense que serão todos homens. As Recatadas do Lar vão estar do lado deles.” (pg.25)
Já deixo claro que a obra é uma crítica clara ao retorno do conservadorismo. A ascensão de líderes e movimentos que buscam limitar as liberdades individuais, principalmente de minorias, encontra eco na ficção proposta por Dalcher. Dessa forma, a história nos alerta para o perigo do conformismo e da aceitação passiva de políticas retrógradas, destacando como uma sociedade pode regredir rapidamente quando os direitos são vistos como negociáveis.
O romance ganha ainda mais relevância ao refletirmos sobre eventos recentes, como o aumento da quantidade de jovens conservadores e a interferência de políticos extremistas e religiosos em decisões sobre os direitos das mulheres e da comunidade LGBTQIAP+. Ao longo da leitura, não é difícil perceber que a distopia de “Vox” não está tão distante da nossa realidade. E este foi o motivo pelo qual fiquei tão presa à leitura – e tão inquieta a noite.
“(…) Talvez tenha sido isso o que aconteceu na Alemanha com os nazistas, na Bósnia com os sérvios, em Ruanda com os hutus. Às vezes eu refletia sobre isso, sobre como crianças podem se transformar em monstros, como aprendem que matar é certo e a opressão é justa, como em uma única geração o mundo pode mudar tanto até ficar irreconhecível.” (pg.103)
Embora o livro apresente uma narrativa envolvente e provoque reflexões urgentes, ele não está isento de críticas. Algumas reviravoltas no enredo são previsíveis e, em certos momentos, os personagens secundários parecem menos desenvolvidos. De certa forma, a história principal acaba sendo ofuscada pela maneira como a autora conecta os acontecimentos fictícios a questões reais.
Em um mundo onde o conservadorismo avança um passo a cada dia e o discurso de ódio se torna mais barulhento, “Vox” é um grito de alerta. É uma leitura indispensável para quem busca entender os riscos de abrir mão da sua liberdade em nome de falsas promessas de ordem e tradição. Afinal, como o livro nos lembra, silenciar nossas vozes é o primeiro passo para apagar histórias e direitos. Ele é um convite à resistência e à valorização das conquistas que muitas vezes damos como garantidas. Mas que, se nos mantermos calados, pode escorrer facilmente pelos nossos dedos.

Deixe um comentário