Tendências são geradas, criticadas e esquecidas; de novo e de novo
Cada vez mais novas são as crianças que sentam em frente a uma câmera e mostram o passo a passo de sua rotina complexa de cuidados faciais. Apesar de parecer inofensivo, ou “brincadeira de criança”, é praticamente um consenso entre especialistas em dermatologia que produtos com princípios ativos para prevenção do envelhecimento não trazem benefícios para peles não maduras.
Claro, muitas pautas surgiram quando as “Sephora Kids” ganharam a nomenclatura, o questionamento sobre a influência das redes sociais sob os jovens e da reprodução de comportamentos praticados pelos responsáveis foi colocado aos olhos da crítica. Mas o que aconteceu com essas crianças? Foram apenas manchetes em colunas de grandes portais durante o período viral e caíram no esquecimento logo em seguida?

A questão é, a internet realmente está preocupada com o bem estar da nova geração ou apenas em consumir o conteúdo, criticar e passar o dedo para cima seguindo para o próximo?
As últimas considerações feitas pela mídia sobre a questão datam do primeiro semestre de 2024, uma das crianças utilizada como exemplo em uma coluna, a filha do influenciador Jonathan Joly, ganhou, na última semana de novembro, o calendário do advento mais caro da Sephora de presente do pai. Mais de mil euros em produtos de beleza em uma caixa.
Drunk Elephant e Medik8 são duas das marcas presentes na valiosa seleção. Desenvolvidos para o cuidado facial, os bestsellers de ambas contam com formulações que prometem tratar e cuidar da pele através de ativos como peptídeos e ácidos, os quais, segundo especialistas, não são componentes indicados para crianças. Júlia Rocha, dermatologista, comenta em seu Instagram sobre a preocupação dessa obsessão dos adolescentes por uma rotina cada vez mais complexa de skincare está, principalmente, na disrupção endócrina, que acontece quando substâncias químicas interferem na ação hormonal do corpo.
A pele jovem, de acordo com especialistas, é naturalmente menos propensa ao aparecimento de rugas e flacidez. Ou seja, não há necessidade de crianças utilizarem produtos anti-aging, para renovação celular, ou com qualquer outra promessa rejuvenescedora. Essa não deveria nem ser uma aflição real para quem está no auge de seus 10, 12 anos.

Obviamente é irreal pensar que as grandes marcas do mercado possam tentar interferir na questão e ainda mais utópico buscar por uma solução através da mídia. A influência familiar também é um ponto de tensão, restando a colocação de que tendências vêm e vão, coexistem, geram falatórios de todos os lados, mas, no fim, quando o assunto é beleza, os padrões são dificilmente quebrados.
É no mínimo curioso analisar como os assuntos em alta por diversas vezes se contradizem: aceitação corporal x “magras, magras, magras”, envelhecimento natural x crianças utilizando anti-aging. Ao cair nas redes, muitos parecem ter um mundo de opiniões para expor em relação ao conteúdo e uma lista de paradigmas a serem quebrados com análises profundas sobre as problemáticas carregadas pela tendência.
Mas, no fim do dia, o belo continua a ser aquilo que foi consolidado há séculos, não importa o que estão fazendo, quem e como estão sendo afetados para conquistar a aparência imposta. Este ciclo constante de novas tendências, que chegam a atingir até mesmo as infâncias, revela uma sociedade que vive em busca da mudança, mas que, paradoxalmente, se recusa a abandonar padrões antigos.
Mesmo quando uma tendência estética se esvai e é substituída por outra, a mensagem central permanece: o corpo e a aparência são as primeiras e principais formas de se afirmar no mundo. Isso cria uma pressão invisível sobre as novas gerações, que passam a encarar a modificação física como uma prioridade, mesmo que isso aconteça à custa da saúde.

A rápida absorção de tendências pela internet também colabora para o esvaziamento de uma reflexão profunda sobre seus efeitos a longo prazo. Quando o foco se desloca para o próximo “viral”, a preocupação com as consequências de práticas estéticas, que podem afetar o corpo e a mente, se dissolve.
A discussão sobre o impacto do uso precoce de substâncias químicas e produtos inadequados para crianças, por exemplo, continua a ser abafada pela constante demanda por novidades. O cuidado com o corpo, então, não é mais um processo de autoconhecimento, mas uma corrida frenética para alcançar um padrão que, por si só, nunca parece ser suficiente.
Em meio a tudo isso, surge uma reflexão crucial: se as crianças de hoje já são expostas a uma estética que valoriza a perfeição e a juventude em sua forma mais pura, o que acontecerá com elas quando se depararem com a realidade da mudança natural do corpo? A pressão, somada à fragilidade da autoestima, pode resultar em uma geração que busca incessantemente um ideal inalcançável, sem jamais aprender a celebrar as imperfeições que tornam cada pessoa única.
Talvez o maior desafio, então, não seja apenas combater as tendências efêmeras, mas reconstruir o entendimento de beleza e identidade de uma maneira que priorize o bem-estar físico e emocional das futuras gerações.

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