No edifício Pina Luz, de 31 de agosto a 2 de fevereiro, a exposição procura estimular novas percepções sobre a África no público brasileiro, apresentando a diversidade de técnicas e usos da prática têxtil africana.

A exposição desenvolvida em colaboração com a Maison Gacha, sediada em Paris, na França, e a Fondation Jean-Félicien Gacha, sediada em Bangoulap, no Cameroun, apresenta 129 peças têxteis, produzidas principalmente ao longo do século XX. Essas peças buscam contar a história dos tecidos africanos, que estão marcadas em suas técnicas de fabricação, conservação e nos símbolos que eles retratam de geração em geração há séculos.

As técnicas de tecelagem, tingimento e bordado variam entre vários grupos culturais, resultando em diversas peças que representam a diversidade do próprio continente. Esses tecidos revelam como o indivíduo se relaciona com a natureza e os seus ancestrais, servindo como grandes marcadores sociais. Eles demonstram as diferentes organizações e papéis das pessoas na comunidade, acompanham o prestígio de notáveis, e, geralmente, abordam elementos dos mitos e das narrativas locais.

A exposição contém sete núcleos, que buscam percorrer o caminho da cabeça à terra, relacionadas à inteligência do artesão e a sua agilidade manual, elementos ligados à ancestralidade que o conectam com a sua comunidade. 

Geometria animal

Situados no oeste do Cameroun, os Bamiléké e os Bamum, consideram a compreensão da natureza e a liberdade criativa como duas virtudes essenciais. Transformar uma pantera em triângulos ou uma serpente em losango é frutos dessas duas virtudes.

Os tecidos ndop e as máscaras-elefante são símbolos e padronagens complexas, nos quais observamos um movimento entre figuração e abstração. O historiador da arte camaronês Jean-Paul Notué pontua que, no tecido, a geometrização das formas e objetos está relacionada às leis rítmicas da música africana.

A exposição “Entre a Cabeça e a Terra”. Foto: Nathalia Molinari, Pinacoteca de São Paulo.

As máscaras-elefante, provenientes de Cameroun, região oeste, do povo Bamiléké, são feitas de ráfia, contas de vidro e tecidos de algodão tingido de índigo, entre eles o ndop. Entre os padrões geométricos dos triângulos, losangos ou xadrez, é possível reconhecer a aranha, o lagarto e o leopardo, símbolos de clarividência, resiliência e poder.

As máscaras são exibidas em certos ritos organizados pelas sociedades secretas masculinas bamiléké: Kuosi, Jya ou Kom. Elas indicam a força e a riqueza dos indivíduos que as utilizam em celebrações tradicionais ou funerais.  

A exposição “Entre a Cabeça e a Terra”. Foto: Nathalia Molinari, Pinacoteca de São Paulo.

O azul vegetal

Em diversas sociedades da África Ocidental, estão presentes  a interpretação das formas da natureza e a experimentação com materiais orgânicos. As observações de como a natureza se comporta também está ligada à preservação de tradições.

A exposição “Entre a Cabeça e a Terra”. Foto: Nathalia Molinari, Pinacoteca de São Paulo.

O índigo, termo que nomeia diversas nuances de cores azul obtidas através de plantas indigóferas presentes em vários continentes, incorporam funções como proteção física e espiritual. Da costa oeste da África até o Sudão, o índigo colore os tecidos ndop, do Cameroun, os baúle da Costa Marfim e os adire e ukara, produzidos entre Igbo e os Iorubá, ambos na Nigéria.

A exposição “Entre a Cabeça e a Terra”. Foto: Nathalia Molinari, Pinacoteca de São Paulo.

A tecnologia da linguagem

Os tecidos são elementos de comunicação, que podem apresentar traços biográficos e sociais de quem os carrega, sendo frequentemente usados em ritos de passagem e para identificar o estatuto social do sujeito. Este é o caso dos kenté, feitos pelas populações Ashanti, e os tecidos ewe, produzidos com técnicas semelhantes, que promovem o prestígio do indivíduo e elevam seu lugar na hierarquia social na região que faz fronteira entre o Gana e o Togo.

Assim como os kenté e os tecidos ewe, que transmitem mensagens de caráter individual, os bordados de miçanga utilizados pelo povo Ndebele, localizado no território da África do Sul, também trazem informações sobre aqueles que os vestem.

A exposição “Entre a Cabeça e a Terra”. Foto: Nathalia Molinari, Pinacoteca de São Paulo.

A rota das miçangas

A arte do bordado de miçanga é compartilhado por diversos grupos culturais africanos, entre os quais os lorubá, da Nigéria; os Xhosa, da África do Sul; e os Bamiléké, do Cameroun.

Por ser um material custoso, no qual a aplicação demanda gestos precisos. Geralmente, as miçangas são costuradas uma a uma nos objetos ou tecidos. O tempo longo de realização dessas peças e a inventividade das composições justificam sua excepcionalidade.

A exposição “Entre a Cabeça e a Terra”. Foto: Nathalia Molinari, Pinacoteca de São Paulo.
A exposição “Entre a Cabeça e a Terra”. Foto: Nathalia Molinari, Pinacoteca de São Paulo.

No Cameroun, apenas os membros da família real e pessoas notáveis tinham o direito de tocar os objetos de miçanga, especialmente se eles fossem combinados ao uso do tecido ndop. Esse vínculo também ocorre entre os Iorubá, da Nigéria. Os adornos de cabeça utilizados pelo oba (rei) são frequentemente cobertos de contas de vidro coloridas, e finalizados na base com uma cortina de fios longos, que impede a visão nítida do rosto do monarca.

A exposição “Entre a Cabeça e a Terra”. Foto: Nathalia Molinari, Pinacoteca de São Paulo.

Opacidade e transparência

Procura criar um diálogo entre um conjunto denominado “veludos kassai”, peças confeccionadas pelos Shoowa, povo pertencente à província de Kassai, na República Democrática do Congo, e véus de seda melhfa, produzidos na Mauritânia.

A dança das formas

No reino do Daomé semeou-se o costume de produzir bandeiras com brasões de caráter narrativo, uma tradição que sobrevive até hoje entre artesãos de Abomé, cidade localizada ao sul da República do Benim, antiga capital do reino.

Essas bandeiras resultam da aplicação de recortes de tecidos coloridos e bordados variados, como miçangas, búzios, pequenas argolas, e, em geral, têm o caráter de apresentar insígnias reais e firmar episódios históricos.

A exposição “Entre a Cabeça e a Terra”. Foto: Nathalia Molinari, Pinacoteca de São Paulo.

Tintas da terra

Na língua bambara do Mali, bògỏlan significa “feito com terra”. Essa nomenclatura define a técnica e os significados atribuídos ao tecido, que compõem um alfabeto visual que faz referência tanto à cosmogonia quanto a certos provérbios populares locais.

Em 1970, uma década após a independência do Mali, o bògolan passou a ser considerado como um forte símbolo cultural nas cidades, sobretudo na capital Bamako. Nos anos 1990, graças ao estilista Chris Seydou e aos aprendizes do Instituto Nacional de Artes de Bamako, o bògolan se tornou um símbolo nacional do país.

Dois elementos naturais fazem parte da fabricação do tecido: as folhas ngalama, utilizadas na preparação do tingimento; e a elas adiciona-se em seguida uma lama ferruginosa, colhida nos mangues ou nas margens do rio Niger e dos riachos afluentes, onde vivem crocodilos, considerados os ancestrais dos Bamana. É, portanto, carregada de uma essência tanto química quanto simbólica que essa lama é aplicada como matéria de decoração no bògolan.

A exposição “Entre a Cabeça e a Terra”. Foto: Nathalia Molinari, Pinacoteca de São Paulo.

A exposição corresponde à sua proposta, especial no que diz respeito à preservação das praticas manuais e ao patrimônio têxtil do continente africano.

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