Edi Rock, KL Jay, Ice Blue e Mano Brown: o que esse quarteto tem a ver com moda? – Para além da influência nos debates políticos, sociais e musicais, Racionais MC’s ao se consagrar um dos maiores grupos de rap da história do Brasil (se não o maior) gerou seu impacto estético.

Intenção do grupo da periferia paulistana ou não, as letras potentes e conscientes que bombaram principalmente nos anos 90 e 2000 trouxeram consigo uma cultura para além do liricismo diferenciado e batidas boombap.

Inspirados pelo disco Racional de Tim Maia para o nome do grupo (cantor que também foi sampleado em O Homem na Estrada, um dos maiores sucessos dos Racionais no álbum Raio X do Brasil, de 1993) e por N.W.A, Tupac Shakur e dentre outras lendas do hip-hop, Ice Blue e Mano Brown foram os fundadores dos Racionais.

Foto: Vinil Records

Entretanto, a filosofia era retratar a própria realidade da extrema zona sul de São Paulo em época pós-ditadura militar, e não ser apenas uma cópia dos rappers estadunidenses. O grupo baseia suas ideias em grandes ativistas, como Malcolm X e Carlos Marighella (homenageado em música Mil Faces de um Homem Leal – Marighella).

Holocausto Urbano, extended play que estreia Racionais oficialmente na música, demonstra logo na capa o estilo dos integrantes, todos com roupas da raíz urbana da cultura hip-hop.

Todos vestidos com moletons, tênis esportivos, correntes, bonés, calças largas e óculos escuros: eles se recusaram a “engomar” a aparência para serem aceitos na época. Mano Brown relata em podcast (PodPah) que era comum a população da favela imitar roupas e cortes de cabelo da classe alta para não sofrer violência policial. 


“Você pega ali 86, pra não morrer na mão do matador, a galera disfarçava. Tinha um código: dois cadarços, pizza na calça, lupa Ray Ban e o código gestual que o sistema engoliu. Em 86 os caras usavam óculos espelhados, casaco da Fila, pousadão, cara feia… Aí em 87 os caras tão com camisa social, colete de lã e cara de comédia… Pra passar batido. Pra voltar pro Capão (Redondo) meia-noite, era necessário se vestir assim. (…) O instinto de sobrevivência faz a moda girar.”

Exemplo de pizza na calça – Foto: Reprodução

A partir dessa revolta, o grupo impulsionou a juventude negra e/ou periférica a retomar o seu estilo original, assumindo sua essência e cultura. Mas, isso não para em relatos pessoais, o grupo também citava seu gosto pela moda e a presença dessa área no cotidiano periférico nas letras das músicas: 

“Você vai terminar tipo o outro mano lá

Que era um preto tipo A

Ninguém entrava numa, mó estilo

De calça Calvin Klein e tênis Puma” – Capítulo 4, Versículo 3. 

“Revirou os banco, amassou meu boné branco

Sujou minha camisa do Santos” – Qual Mentira Vou Acreditar. 

“Um bom malandro, conquistador

Tem naipe de artista, pique de jogador

Impressiona no estilo de patife

Roupa de shopping, artigo de grife

Sempre na estica, cabelo escovinha

Montado numa 900 azul, novinha

Anel de ouro combinando com as correntes

Relógio caro, é claro, de marca quente” – Estilo Cachorro.

No disco Nada como um Dia Após o Outro, terceiro álbum de estúdio do grupo, a moda também aparece, dessa vez como um dos pontos protagonistas da capa: Ice Blue encostado em um Chevrolet Impala Lowrider, carro ícone na cultura hip-hop – também apreciado por Eazy-E, membro do N.W.A – vestindo uma calça bem larga, camiseta preta lisa e o lendário All-Star, sempre presente nas rodas de b-boys, além da bandana clássica dos outfits popularizados pelos rappers norte-americanos, principalmente na Califórnia.

Capa de Nada como Um Dia Após o Outro – Foto: Reprodução

A estética contrasta com Sobrevivendo no Inferno, álbum anterior, que ainda trazia a moda, porém de uma forma muito mais sombria, melancólica e triste, uma vez que o álbum retratava a tristeza do dia-a-dia do Capão Redondo, bairro do extremo sul de São Paulo, além de possuir a música Diário de Um Detento, considerada uma das mais fortes do rap nacional devido à quantidade de críticas explícitas, relatos verdadeiros e frieza nas palavras que relatam o Massacre do Carandiru de 2 de outubro de 1992, chacina a qual terminou com 111 detentos mortos. 

Fotos para o álbum Sobrevivendo no Inferno – Foto: Reprodução

Apesar do grupo manter o estilo street e periférico nesse álbum, a paleta de cor é intensamente preta, simbolizando o luto por aqueles que foram assassinados ou morreram em decorrência da violência policial, desigualdade socioeconômica e polarização sociopolítica. As igrejas também são utilizadas como símbolo de respeito e luto, representadas não só nas imagens de divulgação do disco, mas também na capa, a qual recebe uma cruz dourada com versículos bíblicos em fonte gótica, registrando mais uma vez a melancolia e sofrimento do povo periférico, além da religiosidade sendo um dos únicos alívios que essa população tem em meio ao caos urbano. 

Capa de Sobrevivendo no Inferno – Foto: Reprodução

Durante o lançamento do álbum, KL Jay comentou: “A gente é a voz de quem não tem voz. As pessoas se identificam, morô? Com o que a gente tá cantando, com o que a gente tá falando, com o nosso jeito de vestir… E tem o som que bate, né, meu? É irresistível.”

Hoje em dia, o grupo continua ativo no campo fashion, e Edi Rock, inclusive, fez uma collab com a marca brasileira Cavalera em 2021.

Cavalera x Edi Rock – Foto: Cavalera

Para mais sobre a história do grupo e seu legado, a Netflix possui um documentário chamado “Racionais: Das Ruas de São Paulo para o Mundo“.

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