Como o medo se torna uma jornada de autodescoberta

O jovem Owen(Justice Smith) parece levar uma vida sonolenta. Em uma cidade pacata e cinzenta, o garoto vive envolto por uma névoa de apatia angustiante até conhecer Maddy (Brigette Lundy-Paine), a típica garota esquisita do ensino médio.
Maddy apresenta pra Owen um seriado de televisão chamado “Pink Opaque”, que conta a história de duas adolescentes que possuem uma conexão psíquica e se juntam para combater as maldades de um grande vilão, o Senhor Melancolia.
“Pink Opaque” passa a ser a grande obsessão de Owen. Junto com Maddy, eles assistem episódio por episódio, temporada por temporada, e a série parece dar um certo sentido pra vida de Owen.
Anos se passam, e Owen e Maddy desenvolvem uma relação muito pura e profunda, até o dia em que o seriado é cancelado, e Maddy desaparece, deixando apenas sua televisão em chamas no quintal de sua casa.

Ambientado nos anos 1990, “I Saw the TV Glow” é uma produção da A24, a renomada produtora que conquistou o coração do universo cinéfilo com suas obras diferentonas. Este é o segundo longa de Jane Schoenbrun, uma cineasta transgênero que, com sensibilidade e um olhar atento, traduz suas vivências enquanto pessoa queer em uma narrativa repleta de metáforas poéticas e encantadoras.
Que o terror e a comunidade queer sempre tiveram uma relação íntima, isso já não é novidade para ninguém. No entanto, o que Jane Schoenbrun faz em I Saw the TV Glow eleva essa conexão a um novo patamar. O filme é, acima de tudo, uma obra queer feita por e para pessoas queer.
É uma experiência sensorial e emocional que toca diretamente naqueles que, assim como seus personagens, encontram na mídia e na cultura pop uma forma de escapismo, uma válvula de escape para as complexidades e, muitas vezes, a dor da vida real.
Schoenbrun não apenas explora o medo, mas também cria uma narrativa onde a experiência queer é sentida e vivida, abordando temas de alienação e autodescoberta, tudo isso imerso em uma atmosfera de terror que reflete a luta por identidade em um mundo que frequentemente marginaliza.

A narrativa retrata com precisão o horror e o desespero de precisar esconder uma parte essencial de si mesmo, de sentir-se preso à própria família, ao círculo social, aos sentimentos internos e até ao próprio corpo. Owen identifica algo dentro de si que o assusta e que ele tenta suprimir, mas que “The Pink Opaque” acaba despertando.
Emoções reprimidas, o sentimento de estar apenas narrando sua própria vida em vez de vivê-la, e o medo de se confrontar, são traços presentes na vida de Owen, e de qualquer jovem LGBTQ+.
Essa insegurança de Owen contrasta com a personalidade mais rebelde de Maddy, que demonstra muito mais confiança em sua própria identidade e em suas ações. Apesar de se sentir perdida, Maddy encontra no seriado uma fonte de força e coragem que a impulsiona a fugir de sua realidade opressora, escapando da cidade sozinha.

“I saw the TV glow” pode decepcionar aqueles que procuram um terror mais gráfico, mas garanto que vai aterrorizar todos que viveram por muito tempo uma vida na qual a única luz era o brilho fraco que saía da televisão.

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