Desde que as redes sociais viraram instrumento de trabalho, elas também viraram sonho profissional de várias pessoas que vivem o anonimato e a vida ingrata do clt (que também é uma piada recorrente na internet). As redes também servem para que esses mesmos “ingratos” possam ascender, e os então afortunados têm a chance de chamar seus apps de “chefes”.

Foi em agosto que Jools Lebron virou, talvez sem querer, uma sensação com o áudio de um de seus vídeos no TikTok. Sua voz virou uma trend (que agora em Outubro a gente nem usa mais) em que as pessoas pegavam situações quaisquer e descreviam elas como “very demure, very mindful”, e “meio que não importa” se você sabe o que essas duas palavras significam, ou se elas de fato fazem algum sentido para as outras pessoas. A graça estava em usar as expressões e pertencer. 

PrintScreen do vídeo de Jools Lebron no TikTok @joolieannie

Jools é uma garota trans de Porto Rico que vive nos Estados Unidos e viu sua vida mudar através do aplicativo TikTok, onde hoje ela conta com mais de dois milhões de seguidores e mais de cento e vinte e oito milhões de likes. Seu vídeo mais famoso, o que a colocou no radar das marcas, relações-públicas e celebridades, é um em que ela compartilha sua maquiagem para um dia de trabalho e nele ela descreve sua aparência como “demure” e “mindful”, que em português traduzem (respectivamente) para “recatada” e “atenta”. As pessoas começaram a compartilhar e hoje, quando você pesquisa as tais palavras no Google, o rosto dela aparece antes mesmo de algum dicionário. Bem esperta, no final do vídeo ela pergunta aos seguidores para qual nome eles gostariam que ela direcionasse o vídeo, assim ela poderia gravar uma indireta com o nome de uma amiga sua e você poderia mandar para ela. Você ri e compartilha o vídeo.

É divertido, sim, a entonação dela na fala, o ângulo estranho no qual ela grava, a situação que ela descreve, a indireta para aquela amiga que ao ir para o trabalho sai de casa parecendo que vai para a balada, tudo é engraçado. Mas fico me perguntando se talvez não estejamos vendo “graça” no fato de que uma mulher trans com o corpo não padrão de Jools, usando peruca loira, voz meio rouca e delineado gatinho, cause qualquer impressão, menos a de uma mulher “recatada” e “delicada”… ou “demure”. Aquela história antiga das convenções e preconceitos que estão enraizados em todos nós, queiramos ou não.

De agosto para cá, não teve uma voz falante do inglês que não repetiu a frase da porto riquenha e, entre diversos outros acordos e convites, ela foi até convidada da Bottega Veneta para o último desfile da marca em Milão (a coleção de primavera 2025).

PrintScreen do vídeo de Jools Lebron no TikTok @joolieannie

A graça de ver isso acontecer com ela é a mudança tremenda que isso representou na vida de Jools, que passou de atendente de caixa a convidada de Fila A em desfile de moda no período de seis semanas, segundo suas contas. A vida de uma mulher trans, descendente de imigrantes e de tamanho extra large não é tarefa simples, colocá-la sob os holofotes significa também que ela está sujeita a ainda mais julgamentos, preconceitos, olhares tortos… Imagine a Tiktoker ao lado das editoras de moda internacionais, pós Miranda Priestly todo mundo se comporta porque ninguém quer ser cancelado por gordofobia. Mas não sejamos hipócritas, esses são ambientes hostis para a maioria das pessoas.

Dois meses após ter visto o rosto de Jools pela primeira vez, ela já não aparece na minha For You Page como antes, eu me pego pensando ocasionalmente “onde estaria a menina do demure agora?”

E essa lembrança também me faz pensar em quanto tempo será que ela vai “durar”, e quantos sucessos das redes sociais eu já não esqueci? Se eu viralizasse do dia para a noite, será que eu ia conquistar o público por mais de dois meses? Afinal, ela chegou ao ponto de desenvolver merchandising com a palavra que a tornou conhecida e definitivamente parte desse sucesso se deve ao seu vocabulário. No final do dia, eu só espero que ela guarde dinheiro o suficiente para nunca mais precisar trabalhar, é o que o clt gostaria de ter, independente do sucesso passageiro ou duradouro.