“Não consigo escrever poesia: não sou poeta. Não consigo dispor as palavras com tal arte que elas reflitam as sombras e a luz, não sou pintor… Mas consigo fazer tudo isso com a música” – Mozart.


Existe um sentimento universal que todos nós sentimos ao nos colocarmos à disposição para a música fazer toda sua mágica acontecer.  Sabe aquele sentimento quando ouvimos uma melodia e de repente não queremos deixar de ouvi-la nunca mais?

Ela, de fato, possui esse poder e consegue mudar nossos dias com simples acordes até elaborados arranjos musicais e creio que há algo ainda mais intrínseco ligado diretamente a nossa alma: A existência da música está totalmente ligada à existência do nosso viver. Mas, sobre isso quero escrever em outro momento..

Confesso que não andava tão esperançosa com o futuro da música brasileira, e não me levem a mal, reconheço e admiro o trabalho que muitos estão fazendo em manter nossa originalidade e legado.

Reprodução: X/Liniker

Mas, colocando o holofote na fala de Mozart no início do texto, percebo como artistas nos últimos tempos estão sempre procurando as últimas tendências do tiktok, preocupados demais em criar dancinhas que grudem na cabeça, com letras extremamente repetitivas e, às vezes, sem nexo algum como palavras jogadas ao vento expressando uma certa necessidade de superficialidade, esquecendo o verdadeiro propósito da música e poder que ela carrega.

Com ela você pode pintar uma porção de ideias sem mesmo saber pintar. Você pode trazer uma imagem a quem ouvir sem nem ser um bom fotógrafo. Você pode misturar línguas, sons, ritmos, letras e acima de tudo mostrar o mais profundo do seu coração.

A Liniker foi uma das minhas maiores descobertas musicais em 2021 ,em ainda uma pandemia desastrosa, tenho a acompanhado desde então. Seu novo álbum me trouxe a esperança de que ainda há artistas que conseguem ultrapassar a barreira da realidade e do imaginável. 

“Esse álbum é tudo o que eu soprar para dentro. E que, às vezes, sou tímida e tenho dificuldade de botar as coisas para fora. Então é um álbum sem medo do meu tamanho, da minha prosperidade, sem medo da musica” – afirmou Liniker em entrevista ao Conversa com Bial, na TV Globo.

Reprodução: Globo

Ela compreende o poder que carrega e usou desse poder em praticamente todas as faixas do álbum. O disco nos introduz em uma nova fase de sua carreira evidenciando uma intensidade e conforto para transitar entre diferentes estilos. Com certeza um dos trabalhos mais lindos desse ano na área da música brasileira.

A primeira faixa do álbum retrata o calor de um amor nem tão correspondido, deixando claro a intensidade de saber seu valor e lutar por ele, em um dos melhores trechos da faixa ela diz:

Você já decorou quantas tatuagens tenho?
Se eu ligo pra cartoon ou rabisco os meus desenhos
Quantos shows tem na minha agenda, meu disco favorito
O peso do meu coração (meu coração)

Onde serão as férias? Qual tamanho da demanda?
No samba, sei que samba, e o que será que faz chorar?
Será que você sabe que, no fundo, eu tenho medo
De correr sozinha e nunca alcançar?

As demais canções são envoltas em uma atmosfera quase irreal. Com arranjos extremamente trabalhados com misturas de instrumentos desde um piano até a batida do samba.

 Uma das faixas que mais me impressionou em letra e sonoridade foi “Veludo Marrom”. Se você ainda não ouviu, pare tudo o que está fazendo e vai ouvir até os 7:17 minutos que a música apresenta e depois volte aqui.

Ouviu? surreal né?

Reprodução: Bruno Galtier

Liniker apresenta 2 faixas com a língua inglesa em foco e com ritmos totalmente envolventes em uma verdadeira estratégia para um avanço na carreira internacional, o que pra mim foi um tiro certeiro pois tem tudo para ser um grande sucesso. O álbum além de sua construção impecável possui participações especiais como Lulu Santos, BaianaSystem, Priscila Senna, Pabllo Vittar, Melly, Amaro Freitas, ANAVITÓRIA e Tropkillaz.

“Só quando a música arrepia o braço inteiro é que se entende a importância dessa arte. – Nagais Avelino.”

É impossível não se arrepiar com pelo menos 5 músicas das 14 faixas em Caju. A ganhadora do Grammy na categoria melhor álbum de música popular brasileira mais uma vez entrega um álbum impecável que possui grandes chances de mais uma vez ser alvo de grandes prêmios. 

A Liniker é uma das minhas esperanças na música brasileira, ela não precisa dizer muito e já nos entrega um relicário de sentimentos. Ela ressignificou a palavra artista. E assim como Mozart, ela consegue pintar sem ser uma pintora e ser poeta mesmo sem querer. 

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