Hoje muito se comenta sobre a estética latina, tendo várias trends nas redes sociais de mulheres testando a maquiagem “latina” e apropriando-se de vestimentas clássicas e estereotipadas da cultura hispânica, isso devido aos filmes hollywoodianos lotados de ideologias norte-americanas a respeito do conjunto de hábitos e costumes da cultura em questão, o que os diretores acham e supõe que seja ser latino, como agimos, gesticulamos, nos vestimos, entre outros.
Há um abismo imenso entre representatividade e representação, sendo a primeira indispensável a necessidade de estudo cultural e consciência de classe, não sendo esses pontos fortes de grande parte das produções norte-americanas feitas em sua maioria por homens brancos estadunidenses.
Antes de falarmos das Cholas em si, precisamos falar sobre os Pachucos, grupo que nasceu em 1939 no sudoeste dos Estados Unidos com a imigração de mexicanos. O termo “Pachuco”, vem de “pacho”, xingamento designado a mexicanos nascidos nos EUA que perdem o contato com sua cultura. Marginalizados, segregados, discriminados e oprimidos, os Pachucos encontraram refúgio com outro grupo que nessa época também sofreu repressões dos brancos, os afro-americanos. Em decorrência dessa mescla de identidades, a influência do Jazz foi muito forte para os mexicanos, principalmente na questão de vestimenta.

As Pachucas, com suas saias ajustadas, curtas para a época, correntes e relógios, cabelos armados, batom vermelho e ternos da marca Zoots adaptados para silhueta feminina, contrariando os papéis de gênero e ideias de beleza da cultura conservadora branca estadunidense eram facilmente identificadas nas ruas de Los Angeles. Mulheres que iam para bares beber e arranjavam briga com qualquer um que se metesse em seus caminhos viraram símbolo de resistência para as pequenas meninas latinas que cresceram vendo suas mães sendo donas de si. Porém, obviamente, essa afronta à ideologia patriarcal gerou grandes repressões dos militares e acabou durando apenas 6 anos, já que muitas mulheres do movimento foram presas, de forma injusta, por serem taxadas como violentas e fora da lei. Portanto, em 1945, ocorre o declínio temporário da gangue das Pachucas, que 15 anos depois, viriam suas descendentes seguirem seu legado, mas agora, como as Cholas.
Com a classe trabalhadora latina dos anos 60 ainda sofrendo preconceito nas ruas estadunidenses apenas por existirem, a necessidade de criar-se uma rede de proteção e resistência contra os ataques xenófobos ressurge, e o que antes era Pachuco, torna-se “Cholo”, palavra usada para insultar e menosprezar crianças ameríndias, mas apropriada nessa época justamente pelos jovens que cresceram com a influência de seus pais presos pela repressão policial como forma de resistência da identidade cultural deles.

A palavra “gangue” foi associada ao movimento, principalmente pela imprensa do Sul da Califórnia, para fomentar o preconceito e a intolerância na região, que na época era a que mais contava com povos descendentes de latinos, porém, como ressignificar palavras pejorativas é algo que muitos movimentos marginalizados fazem, a Gangue das Cholas tomou força.
Com o imaginário repleto de representações de como eram as comunidades latinas de Los Angeles se alastrando por todos os Estados Unidos, as Cholas com certeza eram as primeiras a serem associadas à estética latina por andarem sempre juntas e com vestimenta similar. O traço mais marcante? A cara fechada, representando a raiva de estar em um país que a todo momento insiste em tirá-las dali e drenar todos os seus direitos como cidadãs.
Com a feição que passava a impressão de que a qualquer momento poderiam ir todas para cima de você caso mexesse com elas, as Cholas usavam sobrancelhas finas e arqueadas, delineador contornando os olhos e puxando um pouco mais para fora do olhar (o que hoje chamamos de “gatinho”), lápis de boca com um tom mais escuro no contorno da boca e um batom vermelho forte ou amarronzado, cabelos levantados com gel e bandanas (diziam os cochichos urbanos que escondiam ali canivetes). Usavam também brincos em formato de argolas grandes, tatuagens, regatas brancas sobrepostas com uma camisa xadrez na maioria das vezes, porém abertas, para mostrar a barriga, correntes, calças jeans ou baggys e tênis esportivo, para caso precisassem fugir das repressões policiais.

Haviam também, Cholas com mais experiências mundanas que usavam roupas com a estética mais puxada para as Pachucas, porém um pouco mais ousadas.
Claro que essa confiança feminina vinda de mulheres marginalizadas não foi vista como um movimento feminista legítimo na época, foi jugado como “feminismo popular”, como se fosse modismo, e não uma luta de fato.
Na década de 90, as Cholas já influenciavam a América Latina inteira, o que descaradamente gerou uma certa inveja nas cantoras estadunidenses e européias da época (pode-se dizer que ainda gera). Gwen Stefani, Amy Winehouse, Fergie são exemplos de artistas que se apropriaram culturalmente da estética das Cholas. Gwen Stefani comentou já que cresceu em L.A e presenciou o surgimento do grupo e por isso usou muitas roupas parecidas com as das mulheres mexicanas, mas ainda sim utilizar-se de um estilo de vida que passou por diversas fases de opressão e dificuldades só porque se acha bonito e gostaria de usar a roupa igual é claramente uma falta de consciência de classe e racial forte. Porém, a artista pelo menos “deu os créditos” às Cholas.
As consequências da apropriação cultural são alarmantes, dentre elas o esvaziamento de uma identidade de uma sociedade inteira, é extremamente desrespeitoso e danoso, por isso a necessidade de sempre ponderar e estudar sobre algo antes de reproduzir.
Nos dias atuais, com o acesso a informação mais rápido, fica mais fácil pesquisarmos sobre as influências dos looks das famosas, se elas estão se apropriando ou não, mas isso com certeza deveria ser um papel da artista informar suas referências e dar o devido reconhecimento a elas.

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