Décadas se passaram desde os fenomenais Ballrooms, mas as dramáticas performances de Vogue experimentam um ressurgimento mainstream pós-pop que firmam essa cultura queer em ambientes ainda não explorados.
Naturalmente, pela dramaticidade, glamourização e pela autenticidade, o voguing alcançou o topo do mundo. Madonna, uma das maiores artistas vivas, nos anos 1990 atingiu o ápice de seu expert ao lançamento de seu vídeo “Vogue” – magistral e inigualável – elevando a subcultura gay nova iorquina ao estrelato mundial com a coreografia atribuída a figuras como José Xtravaganza, que protagonizou o projeto ao seu lado.
Entretanto, apesar de por um lado a popstar ter voltado os olhos de todo o mundo para o estilo de dança queer afro-americano, ao enfatizar apenas um pequeno viés dessa dança em seu vídeo, por outro ela ofusca a verdadeira mensagem da cultura Ballroom: a resistência histórica, o unitarismo, a pluralidade e a diversidade.
As performances de Vogue – ou Voguing – tiveram suas origens nos salões de baile de Nova Iorque na década de 1980, a princípio chamadas de “Pose” pois eram reproduções, ou quase uma mímica, das poses estampadas nas capas das revistas de moda em ascensão nesse período, como a Vogue.
David DePino conta no livro Voguing and the House Ballroom Scene of New York, da fotógrafa Chantal Regnault, sobre a primeira vez que uma performer abriu uma revista Vogue durante um Ball e folheou até a página em que havia apenas uma modelo, e então parou na mesma posição da fotografia no rítmo da música. Essa era Paris Dupree, uma das figuras mais importantes da história dos Ballrooms com seu baile Paris Is Burning.

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“Paris tinha uma revista Vogue em sua bolsa, e enquanto ela estava dançando, ela a tirou, abriu em uma página onde uma modelo estava posando e depois parou naquela pose na batida da música. Então ela virou para a próxima página e parou na nova pose, novamente na batida […] No começo, eles chamaram de ‘Pose’, porque começou na revista Vogue, e, depois, eles chamaram de ‘Voguing’” comenta David DePino.
Explicando superficialmente, o Voguing é uma dança que foi desenvolvida rapidamente pela comunidade e logo subdividida em três categorias distintas: Vogue Femme, Old Way e New Way. Cada qual com suas individualidades e praticadas por subgrupos distintos, entrentanto conectados pelo Voguing, que eram apresentados nos Ballrooms, bailes nos quais as performances eram ovacionadas e, originalmente, aconteciam no Harlem, presenciadas por pessoas racializadas, latinas e sobretudo LGBTQIA+ marginalizadas por fatores como a violência, o preconceito, a hostilidade habitacional e a falta de oportunidades.
Era comum a competição entre as “Houses” – ou famílias – em categorias de Voguing, as quais, nesse contexto, tinham a função de suprir o papel da família biológica daqueles os quais foram abandonados por questões de homo e transfobia.
A glamourização, apesar da dificuldade, tinha forte apelo nas categorias competidas, sendo fatores de desempate detalhes como o beauty e a maquiagem. Haviam casas batizadas com nomes de grandes marcas de alta costura, como a casa Valentino, a casa McQueen e a casa Balenciaga, assim reafirmando a super-influência da moda no meio queer afro-americano.
Assim, Madonna foi nada além de a precursora para que outras cantoras pop como Ariana Grande, Rihanna, Beyoncé e Azaelia Banks produzissem mais músicas nesse ritmo. Nesse sentido, o voguing não está passando pela sua fase post mortem.
Muito pelo contrário, está sendo reavivado pela fome hollywoodiana por produções artístico-culturais marcantes, como a recente série televisiva “Pose” que se inspira em muitas personalidades reais do cenário queer dos anos 1980 e estrelada pelo maior casting transsexual de uma produção dessa projeção, além do álbum pop/house produzido por Beyoncé “Reinassance” com fortes influências da estética Ballroom. Quarenta anos passados, o que anteriormente se restringia a cena nova iorquina, agora recebe holofotes em todos os continentes do globo.

Sérgio Andrade
É claro que Madonna não é irrelevante para a comunidade gay a qual ajudou a se fortalecer em Nova Iorque, entretanto, apenas os deu o vislumbre de uma vida confortável e o reconhecimento profissional, mas não foi capaz de reduzir o preconceito, a discriminação e as desigualdades que os colocaram em uma posição de vulnerabilidade, e não podemos culpá-la. Sua arte segue atemporal e coesa, impecável e deslumbrante, em estética e sonoridade, como se propõe a ser.

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