“Como as últimas semanas de moda podem dizer muito sobre as estratégias comerciais de grandes marcas”

Diante de um grande histórico de recessão, pandemia, guerras e diversos outros conflitos no globo, ao que tudo indica, em 2024 o mundo da moda está prestes a adentrar uma nova era disruptiva.

Em meio a tantas transformações no mundo e no meio digital, a forma em que consumimos e até mesmo o ato de se arrumar pela manhã para começar o dia têm se tornado um ato político. Na verdade, a história da indumentária sempre foi escrita a partir da forma em que nos vestimos, mas enquanto o globo pedia socorro em 2023 os influencers discutiam sobre o que é ou não “brega”. O escapismo precisou tomar seu fim, uma hora ele sempre acaba. 

Ao que grandes agências de tendências como a WGSN indicam, este ano caminha para um mundo cada vez mais presencial, mesmo que forçadamente. Relatórios para 2024 apontam uma forte onda de procura pelo comércio presencial. Experiências cada vez mais imersivas no ato da compra têm tido alta procura pela nova geração, coisa que claramente está ligada às fortes marcas que o “old money aesthetic” têm deixado em toda a indústria .

Bottega Veneta ,verão 2023 (Foto: Reprodução)

Além disso, a busca pela identidade, pelo “eu” em um mundo tão plural, tem aumentado gradativamente, seja pela busca de uma identidade própria como pela busca de ter uma identidade cultural, pertencer a um grupo, a algum lugar. A moda e o comércio nacional, no geral, têm apresentado um grande crescente e marcas como Farm Rio, Ginger, NV, Granado, Misci e etc, têm retido cada vez mais olhares pela Gen Z e Millennials.

Não só no Brasil como no globo, essa retomada às origens tem crescido cada vez mais. Em fevereiro de 2024, a New York Fashion Week (NYFW) mostrou ao público um pouco mais dessa identidade norte-americana, desse ar mais fechado, simples e utilitário. Em contrapartida, a London Fashion Week (LFW) apresenta um visual bem mais clubber, edgy, porém sempre com muita classe.

Para quem gosta de tendências, a moda é o “quiet luxury”, a sofisticação, a simplicidade, é sobre saber ser sóbrio sem ser simples, é sobre saber transmitir sua essência através das roupas, e não necessariamente criar uma personalidade a partir da roupa que veste.

Hermès, inverno 2024. (Foto: Getty Images)

“Quem é você, de onde você vem? Que história pode me contar? Que estilo de música escuta para trabalhar? Quais locais frequenta? Quem te inspira?”

No livro “A moda imita a vida” de André Carvalhal, entendemos como é importante para uma marca criar sua persona, entender seu consumidor, como criar propósitos. Caminho esse que tem sido seguido cada vez mais intensamente por marcas como Gucci, Louis Vuitton, e, acredite se quiser, até mesmo a famigerada Carmen Steffens, que tem buscado gradativamente plantar seu rebranding, que antes carregava um forte estereótipo da “perua extravagante”, e hoje busca aos poucos ficar cada vez mais sóbria e atender um público mais elitizado e nichado.

É preciso entender hoje, que ao realizar uma compra em uma marca, você busca por carregar um pouco da identidade dela. Em termos de marcas brasileiras, se você veste Ellus, você é a garota descolada, se veste Farm, é a menina mais praiana, se veste Osklen, é mais ligada à natureza, e assim por diante.

Ellus, verão 2023 (Foto: Divulgação)

Para além de tudo, 2024 é tempo de calor – também o calor do outro –, mas principalmente, aquele que é climático, questão apontada à pelo menos duas décadas, daqueles que ignoramos e continuamos utilizando de combustíveis fósseis, mas não só isso, falo daquele calor alimentado pela agroindústria, que mesmo acobertada pela grande mídia, é a maior responsável por essa grande onda de altas temperaturas. 

Diante deste zeitgeist, surge a grande questão: a forma como consumimos realmente tem relação com isso? E para essa pergunta minha resposta é: Depende!

Para aqueles jovens europeus que performam revolução utilizando jaquetas superfaturadas de couro sintético sustentável, talvez sim! Mas, para o latino-americano médio que tem uma preocupação imensamente maior em conseguir sobreviver diante das grandes movimentações políticas e econômicas da década (e que talvez compre na Shein para conseguir minimamente se expressar através da forma como se veste), a melhor resposta é que a culpa é toda do governo, e realmente é!

Enquanto o cidadão brasileiro com o privilégio do acesso ao conhecimento aceitar ser a fazenda da Europa e dos Estados Unidos, continuaremos sendo culpabilizados individualmente por um problema sistêmico. Hoje o estado mantém a ideia de que financiar o agro é pop, enquanto grandes mentes brasileiras precisam ser exportadas para fazer ciência e inovação em outros lugares.

Talvez 2024 seja época de valorizar a moda nacional, mas não só deixando mais de quatro dígitos em um vestido na loja que oferece champagne no final da compra, e sim, pensando em adentrar a luta pela valorização de uma economia criativa mais consistente, que investe mais em criadores com produtos originais, que fazem parcerias com os artesãos brasileiros, que abraçam a cultura afro-brasileira e indígena e que utilizam de matéria-prima nacional.

Pensemos nós – pessoas privilegiadas e que temos acessos – que ao invés de deixar 300 reais naquele jeans da marca multinacional, talvez seja mais interessante deixar 350 numa marca que coloque a bandeirinha do Brasil na etiqueta.

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